21 de abril de 2013

Passaporte

O maior caminho que trilhamos, é a caminhada do autoconhecimento.

Sozinhos no escuro das perguntas sem respostas, caminhamos rumo ao saber próprio. Imaculado de toda e qualquer influencia externa, por mais infectado que seu ser esteja o interior sempre é branco e limpo, e o que fazer quando chegamos às resposta depende única e exclusivamente de você mesmo.

A vida que ninguém vê é uma viagem longa, perigosa e sem volta. Pode te levar à solidão, mas para sempre nunca mais se sentirá vazio.


Ficha Técnica:

- sobre o filme -

TITULO ORIGINAL: Passaporte
FORMATO: Curta Metragem
GÊNERO: Drama
DURAÇÃO: 3 minutos
ESTRÉIA: 21 de abril de 2013
ORIGEM: Brasil - São Paulo
LÍNGUA: Português - BR

- sobre a equipe -

DIREÇÃO: Bruno Vieira e Rafael Cabral
ROTEIRO: Rafael Cabral
PRODUÇÃO: Bruno Vieira, Rafael Cabral
ELENCO: Rafael Cabral
NARRADOR: Hermes Neris
CÂMERA: Bruno Vieira
MONTAGEM: Bruno Vieira

SÃO PAULO
2013

4 de abril de 2013

Dedos Queimados

A sensação de estar fazendo algo ilegal era terrivelmente incrível.

Nunca tinha pensado dessa maneira, mas depois de tantos preconceitos e pensamento negativos, olhar de um novo jeito para o crime não seria de todo ruim. Afinal, a lei já tinha errado antes, hoje e depois. Não é porque dizem que algo é ilegal, que significa que não seja legal.

Ele não estava sozinho, não poderia estar.

Viajar para a praia era um dos poucos prazeres que ainda tinha em sua vida. Sentir o vento quente batendo em seu rosto, e esquecer por alguns minutos seus problemas e as mazelas de um mundo deplorável. Enquanto escuta o som das ondas se chocando com a areia, enterrando seus pés e sentido a maravilhosa sensação de desequilíbrio enquanto a terra te puxa para seu centro, sentia-se dentro de algo, mesmo assim, um estranho no ninho.

Sempre que saia de casa, com sua mochila, duas trocas de roupas e material de higiene pessoal rumo ao litoral, sabia que algo de bom iria acontecer com ele. Sempre acontecia. De liberdade à libertinagem, mas dessa vez a libertação não foi apenas uma sensação.

Não sabia o nome da garota. Não queria perder tempo com inutilidades. O presente que ela lhe deu era maior do que meras convenções sociais. Se conheceram em um luau e já tinha se passado muito da meia noite, mas ambos continuavam ali sentados na areia escutando um caiçara qualquer cantar sobre a beleza daquelas praias. Ele estava certo, e não precisava de músicas para se perceber.

Começaram a conversar, e poucos minutos depois concordaram sobre como as selvas de pedras eram sufocantes. Como se sugassem toda suas alegrias e sensações. A anestesia era tão grande que existiam pessoas que defendiam sua cidade como sendo o melhor lugar para morar, mas ninguém sabia o quão mau aquela falta de tato humano e a impessoalidade faziam conosco.

A possibilidade veio logo depois quando ela perguntou o quão livre ele queria estar disso. Realmente não queria voltar para a cidade e não podia negar nada que ela lhe pedisse. Apenas seu olhar já o fizera se sentir melhor, como o primeiro suspiro de um bebê sentido o oxigênio infectando seus pulmões de vida.

Ela tirou uma caneta piloto de sua bolsinha de crochê, que deve ter sido comprada do mesmo caiçara que estava cantando. Tirou a tampa da caneta e pegou o braço dele com delicadeza, desenhou um coração em seu braço, mas nada foi projetado na sua pele. Com um sorriso leve e dissimulado ela tirou também a tampa de trás da caneta, e do compartilhamento de tinta tirou um pedaço de papel enrolando algo que parecia orégano picado... E teve um estalo de lucidez.

Com grande destreza, ela pegou uma caixa de fósforo quase vazia com menos de uma dezena de palitos, e tirou um. Riscou em sua lateral e ascendeu aquele fino papel enrolado.

A violência do fogo foi logo extinta, e a extremidade daquele cigarro estava com um vermelho vivo lindo. Corroendo ao redor e transpassando seu calor para a erva ali guardada com tanto carinho. A cada vez que a garota sugava o ar pela cigarrilha, um pequeno barulho de ar sendo puxado e um leve estalo de papel sendo queimado, fazia aquele anel vermelho subir mais um pouco, criando assim cinzas. Uma fumaça massiva saia. Uma fina linha branca da ponta queimada, e um grande chumaço de algodão virgem de seus lindos lábios.

Após instruções para iniciantes, ele pegou o cigarro das mãos dela com máxima delicadeza, apenas pela ponta ainda úmida da saliva dela. Olhou para ela perguntando se ainda dava tempo de voltar atrás, para seu mundo de pensamentos amargos e amparado pelo governo, mas aqueles profundos olhos verdes o incentivaram a tragar aquela fumaça como água. Suspirou, e como um susto segurou na sua traqueia, e quando o ar lhe faltou, soltou aquele mesmo algodão que antes ela tinha soltado.

Caiu pra trás na areia vendo o infinito de estrelas no céu, e como se fosse o controle de um filme sendo exibido, a lentidão de seus atos fora percebida quando repassava o pequeno tubo para a garota, e viu sua mão se movendo em todos os seus quadros e frames, multiplicando-se.

A verdade logo surgiu aos seus olhos, percebendo o que realmente fazia sentido. Todo aquele mundo de possibilidades e respostas. No colégio sempre fora um ótimo aluno de física, um pequeno entendedor do mundo. Os cálculos da ciência do movimento, e a beleza do mundo real, pela primeira vez não em quantidade, mas em qualidade. O individual se juntou, formando uma parte do todo. E como um caracol, o mundo e suas essências começaram a desenrolar e fluir.

Com isso tudo que dizia que era um problema começou a não fazer sentido. O quão pequeno era comparado ao real todo. A patética vida superficial que tinha, unida com protocolos sociais e exemplos que tinham que dar para uma sociedade que se baseava em um pilar de futilidade e vaidades. Tudo isso o fez rir. O mundo que conhecia não existia, era tudo coberto por uma cortina de mentiras. Saber que estava em outra dimensão vendo a verdade o fez rir mais ainda.

Pela primeira vez se sentiu como sendo algo natural, um artigo de fora que agora, pela primeira vez, pertencia àquele lugar. Tudo estava tão perfeito que sentiu deus, não o que comercializamos, mas aquele que está dentro de cada coisa viva. Sentiu-se vivo e parte de alguma coisa. Ele tinha finalmente se encaixado.

A garota ainda estava do seu lado, também deitada na areia olhando para o infinito. Perguntou por que governantes proíbem drogas que abrem a mente e liberam outras que a fecham, transformando a experiência mágica de se libertar das cordas invisíveis da escravidão do mundo que criamos, em algo socialmente inadequado.

O sol já estava nascendo, e seus olhos se fechando novamente quando percebeu que tinha que voltar pra casa. Olhou para a garota que tinha adormecido em seus braços, pegou em sua mão e reparou que as pontas dos seus dedos estavam vermelhas, levemente queimados, isso a fez acordar, e com aqueles olhos ainda pesados pelas areias do sono, disse docemente:

- Você está liberto.

Sobre o Maior Medo

“O homem não sente medo, sente receio”. Pelo menos era nisso que o homem queria acreditar, mas naquela situação especifica estava difícil de crer nisso.

Sentado em um restaurante caro do centro da cidade, olhando profundamente para os olhos da mulher de vestido vermelho na sua frente, não conseguia falar nada. Nunca teve medo de falar com mulheres, na verdade se dava muito bem com elas, mas agora era diferente. Achava que entre uma garfada e um gole de vinho tinto, o faria fazer o que tinha que ser feito com mais facilidade, mas só o fez pensar sobre o que estava sentido naquele momento.

O medo talvez fosse o primeiro sentimento que o homem em sua real essência sentia. Até então ele estava em um lugar quente e acolhedor, não sabe o significado do sofrimento, quando de repente ele é forçado a sair por um lugar bem menor do que sua cabeça e com palmas nos glúteos que ele conhece o mundo e todas as suas dificuldades. Isso é um aviso. Um aviso sobre a vida, de que nada a partir de agora será fácil.

Você vai sentir medo pra sempre.

O desconhecido é a principal matéria prima de todos os medos. Não precisaria nem de pesquisas para saber que o maior deles, é a morte, cujo está diretamente relacionado ao medo do escuro. Assim como não sabemos o que encontrar quando as luzes se apagam, também não sabemos o que encontrar nos minutos subsequentes as nossas próprias mortes.

Mas durante a infância ele nunca sentiu medo da morte. Sabia que uma hora ou outra isso iria acontecer com todos ao seu redor. Naquela época seus reais medos eram os da ficção. Sua mãe não podia desligar a luz, e ele não podia ver filmes de terror, tinha um medo absurdo de abrir o armário ou olhar debaixo da cama. O medo não era da morte, e sim do que os mortos podiam fazer.

- Não precisa ter medo dos mortos, e sim dos vivos. – Foi o que sua mãe disse no dia do velório do seu avô. Sua mãe era uma mulher esperta.

Naquele dia ele sentiu outro medo, o medo de ficar sozinho.

Pois foi assim que ele se sentiu após seu avô morrer. Ele era apenas uma criança, mas já não se sentia mais completo. A vida lhe tinha tirado seu mentor, seu herói, seu avô. Depois disso foi difícil até mesmo de se relacionar com outras pessoas, ele jamais superaria esse fato, apenas aprendeu a lidar com isso.

Aquele também foi o dia que ele dividiu seus medos antigos dos novos medos. Não sentia mais medo quando sua mãe desligava as luzes, podia ver um filme de terror sem problemas, e no armário não tinha mais monstros, apenas roupas. A realidade é dura demais para ainda ter tempo de se criar novos medos. E isso ficou ainda mais claro, quando ainda no colégio dormiu na casa de seu melhor amigo.

Foi com muita insistência de sua própria mãe, que ele saiu de sua casa num sábado à tarde em direção ao interior da cidade. A casa de veraneio seu amigo era cheia de arvores, e tinha um pequeno lago que dava origem a um pequeno riozinho que circulava a região. Era uma bela casa.

Nas suas aventuras de crianças, a aposta da noite foi: quem conseguia ficar mais tempo acordado. Já passava da hora do lobo, quando eles foram ao quintal com a esperança de ver o nascer do sol. Mas as sombras das arvores junto com uma tensa neblina provocava uma escuridão tão profunda e densa, que era impossível ver alguma coisa além de dois metros dos seus olhos.

- O que você faria se saísse um monstro daquele lago? – perguntou o garoto para o amigo dono da casa, olhando para a água. 

E ele prontamente respondeu.

- O que você faria se aparecesse um homem atrás de você?

A possibilidade do amigo era muito mais apavorante da qual à que ele tinha sugerido. Bem como sua mãe havia dito. Maior do que o medo da morte ou o medo de ficar sozinho era o medo dos homens.

Mas agora ele não era mais um garotinho. Não podia mais sentir medo, ou se sentisse, não poderia demonstrar. Principalmente naquele momento.

O lugar era perfeito, tinha que admitir. Ficou com medo de errar, mas todo mundo gosta de comida italiana, e na pior das hipóteses iriam comer macarrão com queijo, mas não foi o que aconteceu. Estava tremendo por dentro, mas já tinha combinado com os músicos e o dono do restaurante, nada podia dar errado agora.

Fez o sinal que tinham combinado para os músicos virem à sua mesa. E mesmo com as pernas tremendo, ficou de joelhos e levantou a pequena caixa onde estavam as alianças, e olhou tão profundamente nos olhos da mulher que amava que conseguiu sentir a alma dela, e acabou de descobrir que ela estava tão assustada quanto ele naquele momento.

Depois que ela respondeu, ele não sentiu mais medo de ficar sozinho.