A sensação de estar fazendo algo ilegal era terrivelmente incrível.
Nunca tinha pensado dessa maneira, mas depois de tantos preconceitos e pensamento negativos, olhar de um novo jeito para o crime não seria de todo ruim. Afinal, a lei já tinha errado antes, hoje e depois. Não é porque dizem que algo é ilegal, que significa que não seja legal.
Ele não estava sozinho, não poderia estar.
Viajar para a praia era um dos poucos prazeres que ainda tinha em sua vida. Sentir o vento quente batendo em seu rosto, e esquecer por alguns minutos seus problemas e as mazelas de um mundo deplorável. Enquanto escuta o som das ondas se chocando com a areia, enterrando seus pés e sentido a maravilhosa sensação de desequilíbrio enquanto a terra te puxa para seu centro, sentia-se dentro de algo, mesmo assim, um estranho no ninho.
Sempre que saia de casa, com sua mochila, duas trocas de roupas e material de higiene pessoal rumo ao litoral, sabia que algo de bom iria acontecer com ele. Sempre acontecia. De liberdade à libertinagem, mas dessa vez a libertação não foi apenas uma sensação.
Não sabia o nome da garota. Não queria perder tempo com inutilidades. O presente que ela lhe deu era maior do que meras convenções sociais. Se conheceram em um luau e já tinha se passado muito da meia noite, mas ambos continuavam ali sentados na areia escutando um caiçara qualquer cantar sobre a beleza daquelas praias. Ele estava certo, e não precisava de músicas para se perceber.
Começaram a conversar, e poucos minutos depois concordaram sobre como as selvas de pedras eram sufocantes. Como se sugassem toda suas alegrias e sensações. A anestesia era tão grande que existiam pessoas que defendiam sua cidade como sendo o melhor lugar para morar, mas ninguém sabia o quão mau aquela falta de tato humano e a impessoalidade faziam conosco.
A possibilidade veio logo depois quando ela perguntou o quão livre ele queria estar disso. Realmente não queria voltar para a cidade e não podia negar nada que ela lhe pedisse. Apenas seu olhar já o fizera se sentir melhor, como o primeiro suspiro de um bebê sentido o oxigênio infectando seus pulmões de vida.
Ela tirou uma caneta piloto de sua bolsinha de crochê, que deve ter sido comprada do mesmo caiçara que estava cantando. Tirou a tampa da caneta e pegou o braço dele com delicadeza, desenhou um coração em seu braço, mas nada foi projetado na sua pele. Com um sorriso leve e dissimulado ela tirou também a tampa de trás da caneta, e do compartilhamento de tinta tirou um pedaço de papel enrolando algo que parecia orégano picado... E teve um estalo de lucidez.
Com grande destreza, ela pegou uma caixa de fósforo quase vazia com menos de uma dezena de palitos, e tirou um. Riscou em sua lateral e ascendeu aquele fino papel enrolado.
A violência do fogo foi logo extinta, e a extremidade daquele cigarro estava com um vermelho vivo lindo. Corroendo ao redor e transpassando seu calor para a erva ali guardada com tanto carinho. A cada vez que a garota sugava o ar pela cigarrilha, um pequeno barulho de ar sendo puxado e um leve estalo de papel sendo queimado, fazia aquele anel vermelho subir mais um pouco, criando assim cinzas. Uma fumaça massiva saia. Uma fina linha branca da ponta queimada, e um grande chumaço de algodão virgem de seus lindos lábios.
Após instruções para iniciantes, ele pegou o cigarro das mãos dela com máxima delicadeza, apenas pela ponta ainda úmida da saliva dela. Olhou para ela perguntando se ainda dava tempo de voltar atrás, para seu mundo de pensamentos amargos e amparado pelo governo, mas aqueles profundos olhos verdes o incentivaram a tragar aquela fumaça como água. Suspirou, e como um susto segurou na sua traqueia, e quando o ar lhe faltou, soltou aquele mesmo algodão que antes ela tinha soltado.
Caiu pra trás na areia vendo o infinito de estrelas no céu, e como se fosse o controle de um filme sendo exibido, a lentidão de seus atos fora percebida quando repassava o pequeno tubo para a garota, e viu sua mão se movendo em todos os seus quadros e frames, multiplicando-se.
A verdade logo surgiu aos seus olhos, percebendo o que realmente fazia sentido. Todo aquele mundo de possibilidades e respostas. No colégio sempre fora um ótimo aluno de física, um pequeno entendedor do mundo. Os cálculos da ciência do movimento, e a beleza do mundo real, pela primeira vez não em quantidade, mas em qualidade. O individual se juntou, formando uma parte do todo. E como um caracol, o mundo e suas essências começaram a desenrolar e fluir.
Com isso tudo que dizia que era um problema começou a não fazer sentido. O quão pequeno era comparado ao real todo. A patética vida superficial que tinha, unida com protocolos sociais e exemplos que tinham que dar para uma sociedade que se baseava em um pilar de futilidade e vaidades. Tudo isso o fez rir. O mundo que conhecia não existia, era tudo coberto por uma cortina de mentiras. Saber que estava em outra dimensão vendo a verdade o fez rir mais ainda.
Pela primeira vez se sentiu como sendo algo natural, um artigo de fora que agora, pela primeira vez, pertencia àquele lugar. Tudo estava tão perfeito que sentiu deus, não o que comercializamos, mas aquele que está dentro de cada coisa viva. Sentiu-se vivo e parte de alguma coisa. Ele tinha finalmente se encaixado.
A garota ainda estava do seu lado, também deitada na areia olhando para o infinito. Perguntou por que governantes proíbem drogas que abrem a mente e liberam outras que a fecham, transformando a experiência mágica de se libertar das cordas invisíveis da escravidão do mundo que criamos, em algo socialmente inadequado.
O sol já estava nascendo, e seus olhos se fechando novamente quando percebeu que tinha que voltar pra casa. Olhou para a garota que tinha adormecido em seus braços, pegou em sua mão e reparou que as pontas dos seus dedos estavam vermelhas, levemente queimados, isso a fez acordar, e com aqueles olhos ainda pesados pelas areias do sono, disse docemente:
- Você está liberto.
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