25 de dezembro de 2013

Afinal, é Natal

Inspirado livremente na obra Noite Feliz de Wallace de Andrade.

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Era noite de natal, e pela primeira vez na vida D. Áurea estava passando sozinha. Estava um pouco deprimida vendo o show do rei porque aquele ano não foi um dos melhores para ela.

Casada por 59 anos, Seu Juvenal, querido marido, faleceu dias antes do seu aniversário. Foi um horror. Durante esses 59 anos, tiveram somente um filho. O viu crescer, ganhar prêmios nas feiras de ciências da escola, primeira e segunda namorada, casamento, divórcio e prisão.

Sem ninguém próximo para passar a noite, D. Áurea tentou esquecer todos os problemas daquele ano e aproveitar o show. Afinal, é natal.

Wellington foi preso por não pagar a pensão do filho. Estava passando por uma má fase na vida. Shirley, sua esposa, um dia sem clima nenhum disse que não estava mais feliz e pediu o divórcio. Para melhorar seu pai morreu, entrou em depressão, começou a faltar no emprego, foi despedido, o dinheiro acabou e ali estava: Presidente Venceslau.

O carcereiro de cela em cela estava passando, como de costume todas as noites para fazer a contagem dos presos. Viu que naquela noite quem estava na função era Seu Oscar, o carcereiro mais gente boa da cadeia.

- Poxa seu Oscar, libera o cadeado aí vai. minha Mãe tá sozinha lá em casa. Afinal, é natal. - Brincou Wellington.

Seu Oscar deu risada da brincadeira do preso, mas estava com a cabeça em outrolugar, sua família, tão distante dali, ceiando sem ele.

Seu Oscar estava no sistema carcerário há quase sete anos. A vida era tranquila. Trabalhava noite sim noite não, sete anos sem faltar. Nesse ano foi escalado para trabalhar na noite de natal. Quase chorou para o chefe liberar ele, mas não teve jeito.

Chegou as 7 da noite, e só ia sair às 7 da manha. A noite ia ser difícil, Afinal, é natal e os reclusos ficam loucos de saudade da família. Alguns fogem e voltam no outro dia, outros badernam e outros sofrem calados.

Aquela escala o apunhalou pelas costas. Estava planejando aquela festa de natal deste outubro. Estava vindo parente do Oiapoque ao Chuí. A casa do seu Oscar estava cheia, e por um instante ficou com dó de sua esposa, porque teria que aguentar a noite inteira o pequeno filho da vizinha.

Joãozinho nunca viu a casa do seu Oscar tão cheia. Passou os dez natais da sua vida na casa do vizinho brincando com Pedrinho, filho de seu Oscar da mesma idade. Eram unha e carne, quase irmãos. Ainda mais naquela noite tão especial, afinal, é natal.

Embora muito pequeno para entender, Joãozinho era de família humilde, e ficou maravilhado com a quantidade colossal de presentes que seu melhor amigo estava ganhando naquela noite. Lembrou que pediu presente para o Papai Noel, mas pelo visto, tinha esquecido dele daquela vez. Deu um sorriso amarelo, e aproveitou o Chester quieto.

O natal é uma data de grande alegria, e embora nem todo mundo estivesse tão alegre naquela noite, tentaram esquecer seus problemas por algumas horas. Afinal, é natal.