12 de março de 2014

Barata Amassada

Antes eu vivia.

Lembro daquela barata, ser repugnante, andando pra baixo e pra cima na minha sala de estar, como se fosse a dona daquilo tudo. Quem sabe num futuro pós-bombas atômicas, mas não agora.

No começo fingi que não tinha problema nenhum. E quase não tinha. Eu não tenho medo de barata, acho que a expressão "asco" é a que se aproxima mais dos meus sentimentos sobre as baratas no geral, logo, porque eu levantaria do sofá para matar aquele bicho?

O problema veio quando comecei a escutar.

Era um "TOC, TOC, TOC" incessante, viciante e veloz. "TOC, TOC, TOC". Era o som de suas patas escamosas batendo no chão de mármore. "TOC, TOC, TOC" ela estava ali e eu tinha que fazer algo.

Levantei e por alguns segundos brincamos de policia e ladrão, até que por fim pisei. Esmaguei. Um grande "CRACK" ecoou pelo cômodo. Deu para ver as ondas sonoras se espalhando e batendo nas pareces. Um único som divide vários outros, como se o "CRACK" fosse na verdade um "C-R-A-C-K".

Subiu o cheiro de carnificina. Todos os órgãos daquele ser espalhados naquela pequena região do piso, divididos entre o chão e meu chinelo. É quase como morder uma trufa de licor de maracujá, após quebrar a casca de chocolate, vem a recompensa do liquido se espalhando pela sua boca e derramando por entre os lábios. Só que sem o sabor do maracujá.

Lembro de tudo isso pois foi minutos antes dela entrar na sala. Sentou no outro sofá e fingiu não se importar com minha presença, mas algo a fez levantar e pisar em mim, destruir todos os ternos sentimentos que por ela nutria.

Não me lembro das justificativas, só sei que naquele dia dois seres foram pisados e mortos. Mortos com alto teor de sofrimento e tortura.

A barata ainda jaz fria e seca, apenas as cascas que ainda não foram passadas pela vassoura da diarista.

Já eu. Eu não vivo mais.

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