21 de fevereiro de 2013

Desviando

Ela não queria falar com seu vizinho.

Essa repulsa não fazia muito sentido. Ele era um bom amigo, desde a infância andavam e brincavam juntos. Mas parece que quanto mais velho você fica, menos paciência e vontade de falar com alguém você têm.

A arte de fugir de falar com alguém deve ser algo antigo. Claro que hoje em dia era muito mais fácil. Apenas pegue o celular e finja que está conversando ou digitando alguma mensagem, e pronto, você se livrou de falar com aquela pessoa. A garota às vezes pensava na época de seu pai, ou até antes, quando não tinha um celular. Provavelmente ele usava jornal. Seu pai sempre anda com um jornal nas mãos.

Talvez seja por isso que ele tenha uma facilidade inacreditável de falar com as pessoas, e acima de tudo, das pessoas gostarem de falar com ele. Pegar o elevador do prédio sem ele era praticamente uma tortura, e sempre aparecia alguém falando do clima.

Mas aquela situação especifica era complicada. A garota estava indo para o trabalho e quando estava chegando perto da estação, avistou o vizinho. Ele não era chato nem nada, mas ela simplesmente não queria falar com ele naquele momento. Isso exigiria muita atenção, e improvisação de um discurso que provavelmente ambos se enjoariam rapidamente. E falar sobre o clima era tão broxante, que já fazia parte do protocolo social que esse tipo de tópico deve ser levantado apenas no elevador.

Ela sabia que estava fazendo um favor para ambos. Em plena primeira hora do amanhecer, ninguém quer falar com ninguém, e a paciência era pouca para todo mundo. Na verdade, essa convicção ia se esvaindo a cada vez que ela fazia isso com alguém. No final das contas, o que a pessoa fez de tão ruim para não receber um simples 'oi'?

Tudo isso começa com aquele cumprimento frio que você dá pro seu vizinho. Logo em seguida você começa apenas acenando com a cabeça ou com as mãos, e no outro dia, vocês nem se olham mais na cara. Mas mesmo assim, caso se encontrem em algum lugar por um tempo considerável, vocês terão que conversar. Protocolo social.

Ela não queria pegar o celular, apesar de uma boa tática, sempre era meio forçada. Ela sempre odiou quando estava falando com alguém, e esse alguém pega o celular e começa a mexer nele e simplesmente para de prestar atenção no que se estava falando. Em situações como a que está acontecendo agora, isso piora exponencialmente, no sentido de que, todo mundo um dia na sua vida já fingiu não ver alguém, e todos sabem exatamente o que ato de pegar o celular significa.

A cada passo a sentença ia se aproximando, e não importa o quanto desviasse o olhar, uma hora ou outra eles iriam se encaram, e depois disso não teria mais jeito nenhum. E agora já era tarde demais para voltar no caminho, ou se esconder atrás de uma moita ou uma árvore.

Ela chega à fila, e tenta se esconder atrás do cara gordo que ali estava. Com sorte seu vizinho nem ia reparar nela, e tudo continuaria com seu rumo. Tudo melhora quando seu celular toca. Além de escondida, ela estaria ocupada demais para falar com ele agora, e ela não estaria mentindo.

- Alô?
- Oi vizinha... To aqui na fila do ônibus, alguns lugares na frente. Corta fila e vêm aqui, faz tempo que não te vejo!
- Serio? Nem te vi... Tô indo aí.

Ela desliga o celular e anda na direção do vizinho desanimada.

17 de fevereiro de 2013

Paraíso Tropical

O homem acordou na praia.

Depois que se casou há alguns anos atrás, o maior sonho do jovem casal era viver em um paraíso tropical. Havaí era muito clichê, além de ter enxurradas de surfistas sarados que andariam pra cima e pra baixo com suas pranchas, e isso afetaria em alguns níveis o seu ciúme. Não poderia esquecer as garotas de biquíni, é claro, mas ele conhecia a mulher que tinha em casa, e não a trocaria pela modelo que fosse.

Existiam outros lugares que pensavam também, só que nada era um plano para hoje ou depois de amanha. Era o sonho para o final de suas vidas. Atualmente ambos trabalhavam muito em grandes corporações do capitalismo imperialista, mas não gostava de pensar assim, pois eram eles que pagavam suas contas, seu lazer, e a boa vida que tinham.

Boa vida significava coisas que antes ele não tinha. De família humilde do interior do estado, ele tinha que dividir tudo com seus outros três irmãos. E existiam regras básicas, como na hora do jantar, quando a mãe fazia frango assado (seu prato preferido), era sempre o pai e a mãe e os irmãos mais velhos que escolhiam os primeiros pedaços. Tinha cansado de comer pescoço e a sobra das asas havia muito tempo.

Começou a estudar, e batalhou para chegar onde estava. Sabia que era um lugar de prestigio, e sua mulher também.

Conheceu-a no estágio, depois de muito lutar, resolveu falar com ela, e ela perguntou por que ele demorou tanto tempo para chegar nela. Sua vida não era conhecida pelas suas grandes conquistas amorosas, e isso na verdade nem importava muito. Sempre foi um garoto esforçado, mesmo com seus pais não o apoiando ou dando qualquer incentivo que seus irmãos mais velhos sempre tiveram, mas hoje ele estava lá, e seus irmãos e pais não.

Percebeu que estava com uma dor de cabeça inacreditável, mas isso deveria ser o menor de seus problemas. Naquelas circunstancias principalmente. A fumaça e os gritos irritavam ainda mais seus olhos e seus ouvidos. O Caos que estava ali, o estressava.

Pensou na esposa de novo. O que ela falaria vendo ele ali, caído na areia de terno. Apesar de irônico, sua vida perfeita de morar na praia, não se parecia com nada do que ele estava vivendo ali. Na verdade, nem ele sabia o que pensar sobre isso. Sua única certeza que tinha ali é que estava com saudades de sua mulher, e que deveria ser recíproco.

Tinha pedido folga um dia antes da viagem para passar mais tempo com sua mulher, ainda mais porque iria pegar o avião na primeira hora do amanhecer. Passaram um dia incrível vendo clássicos do cinema, almoçando no grande jardim de sua casa, perto das flores e de frente pra grande fonte, que foi presente de aniversario de seu sogro.

Acordou 4 horas antes de sair de casa, como sempre fazia quando tinha que pegar um avião. Mas excepcionalmente dessa vez ele quase perdeu o avião, pois sua mulher lhe puxou pra cama de novo e fizeram amor como se não houvesse amanha. De fato não houve, mas evitava pensar nisso, e pensava somente nas últimas palavras que ela tinha dito:

- Ainda não fiz o teste, mas acho que estou grávida.

Acordou com a comissária de bordo colocando uma mascara de oxigênio em seu rosto, Perguntou o que estava acontecendo e com a face da mentira ela disse:

- Nada de mais senhor. Apenas para rotina.

Claro que era mentira, a turbulência estava muito forte, e durante os anos que ele pegou avião para viajar a trabalho nunca tinha pegado uma turbulência tão forte e violenta daquele jeito. A alavancagem puxou a comissária para o teto do avião, e uma mala de mão caiu do bagageiro batendo exatamente na cabeça dele. Isso o fez desmaiar e não ver o resto do caos. Talvez seja por isso que sua cabeça esteja doendo tanto.

A gritaria e o caos que reinava na areia branca daquela praia deserta era assustador. O motor do avião ainda girava freneticamente, e pedaços gigantescos da fuselagem pairavam entre a areia a e água. Pessoas gritando e correndo, e a cor vermelha estava presente em todos os lugares que virava seus olhos. Estava com medo, e queria estar na cama com sua esposa naquele momento.

Mas homem acordou na praia. 

Sozinho.

16 de fevereiro de 2013

Aquele Apelido

‎- Meu nome é Rodolfo, mas pode me chamar de Pringles!

Apelidos estranhos sempre fizeram a garota pensar. Ter um apelido legal é o que te difere de quem não tem apelidos legais, ou pior de tudo, quem não tem apelido nenhum. Um apelido no final das contas faz parte de sua identidade, da sua historia e da sua vida.

Sentada ali naquela cadeira de um restaurante chique qualquer da cidade, ela começou a pensar na sua adolescência, e em todos os apelidos que mais a tinham marcado.

Tinha um garoto que o chamavam de Suicida, pois tinham algumas historias de que ele tentou se matar algumas vezes, mas pelo jeito que ele andava pela escola, não deu muito certo. Pra falar a verdade, ele nem era tão legal assim, mas sempre davam atenção pra ele, com medo de que ele tentasse se matar de novo, e dessa vez desse certo.

Também tinha a Abelha. Era uma menina baixinha e gordinha insuportável que sempre tava comendo um doce e fazendo fofoquinhas para as amiguinhas. Tinha saudade do Trator, apelido que ganhou depois de dormir na casa de alguns colegas.

Pensando bem, ela reparou que não se lembrava do nome de ninguém, apenas dos apelidos. Sempre se lembrava do Betão, jurava que seu nome era Roberto, ou Aberto, e no dia da formatura descobriu que nome era Bruno.

- Mas porque te chamam de Pringles?
- Sei lá, sempre me chamam assim.

Nesse momento ela sentiu o cheiro da mentira, ou seja, ninguém o chamava de Pringles, mas ele insistia nesse apelido para ser descolado. Afinal, Rodolfo é muito ruim mesmo!

Mas essa coisa de inventar apelido nunca fizera muito sentido. O apelido tem que vim de alguma característica sua, e logo quem deve dizer qual é seu apelido são seus amigos, e não você mesmo.

Ela não gostava disso. Só aceitara sair com ele porque sua irmã tinha insistido muito. Tinha acabado de sair de um relacionamento, e talvez conhecer pessoas novas realmente iria ser bom. E se ela não saísse com ele, sua irmã iria arrumar outro, e outro e outro. Mas quando ela disse dele, Ela não o tinha chamado pelo apelido, e sim pelo nome, o que significa que ninguém além dele mesmo o chamava de PRINGLES. E ela não gostava disso.

- Ele é um cara legal. Tem um emprego fixo e ta ganhando muito bem, já é formado e além de tudo é um gato. Engraçado e muito ‘gente boa’, aquele tipo de pessoa que você gosta de estar sempre ao lado dele... Ele tem uma simpatia que nunca tinha visto antes.- Foi o que sua irmã disse. Ou seja, era um bom partido. Mas para a garota existiam coisas que iam além do "simpático, rico e bonito".

A garota sempre quis ter seu próprio apelido. Sonhará a infância toda com alguns nomes que via em filmes, ou que lia em livros, mas no final ela sempre teria aquele apelidinho escrotinho. São regras da vida, e ela não podia mudar isso. Logo não era justo, isso que ele estava fazendo.

Ela entendia que era carinhoso, mas dava um ar mais infantil ao que já era. Muitas vezes perguntavam pra ela se ela realmente era maior de idade, pois aparentemente não parecia, pelo seu tamanho e rosto de criança. Mas para ela, ter o diminutivo do nome como apelido é tão triste quanto não ter apelido. E ela não gostava disso.

- Mas e o seu moça? Qual é o seu apelido?
- Eu não tenho apelido - mentiu
- Posso te chamar pelo seu diminutivo então?
- Não.

A moça pegou suas coisas e foi embora.

12 de fevereiro de 2013

Firulas sobre X-MEN 135

Aquilo realmente era engraçado.

O homem tinha uma vida tranquila, mesmo vivendo naquela cidade deste o primeiro dia de seu nome, nunca antes tinha visto algo minimamente parecido com aquilo.

Começou a pensar também sobre todos os seus amores, pois ele tinha certeza que sobre o decorrer daquele fato ali vivenciado, se daria o fim de todas outras historias, e tudo antes daquilo, era apenas progresso.

Nas primeiras aulas que teve quando era criança, ele se apaixonou pela filha da professora, já não lembrava o seu nome, mas lembrava-se perfeitamente do emaranhado de cabelos pretos que sempre ficavam na sua frente nas aulas de artes.

Alguns anos mais tarde, se apaixonou perdidamente pela vizinha, a filha do dono do bar. Foi com ela que deu seu primeiro beijo, e ali teve a certeza de que ela seria eternamente a mãe de seus filhos. Acontece que ela era alguns anos mais velha, e aqueles beijos não passaram de promessas não cumpridas.

Depois da maior decepção amorosa da sua vida prometeu nunca mais se apaixonar, até conhecer aquela garota da última fileira da faculdade. Mesmo após muitos "não", ele ainda insistia naquela historia. O mais engraçado é que em sua cabeça ambos tinham uma vida de amor inteira juntos, e ela provavelmente nem sabia seu nome.

Também passou à sua cabeça sua esposa. Mas foi quando a conheceu no seu primeiro trabalho, em um escritório qualquer de publicidade na zona nobre da cidade, foi também quando descobriu que não existe o amor. Amor não passa de reações químicas passadas seu corpo, e acontece a mesma coisa estando com a mulher de seus sonhos, ou quando come uma barra de chocolate.

Como já dizia seu ex-chefe, nesse mesmo escritório de publicidade: amor é o que chamamos para fazer as pessoas comprarem meias novas.

Sendo assim, o amor é muito mais fantasioso do que real. Fazia sentido falar que amava as primeiras três, mas sua esposa não. Principalmente porque ele tinha mais prazer comendo chocolate do que tendo uma noite de amor com ela.

O amor é uma coisa complicada, concluiu após seu divorcio. Sabia que qualquer dia desses suas irmãs iria arranjar um encontro às cegas, ou que iria a algum prostíbulo imundo ali no centro da cidade para satisfação carnal imediata. Mas nunca tinha imaginado que aquilo pudesse acontecer de novo. Não depois disso tudo.

Sentado na mesa do restaurante, olhando para a rua pelo janelão do lugar, apenas enrolando nos últimos minutos de sua hora de almoço, viu em câmera lenta ela chegar.

Vestido preto, sem estampa, até um pouco acima dos joelhos. Pele branca, tão clara quanto pode ser. Assim como seu cabelo ruivo natural dava um grande contraste com as pequenas sardinhas que tinha espalhadas pelo rosto. Seus olhos estavam longe demais para poder ver sua cor, mas imaginou que fossem azuis. E no braço uma tatuagem, em forma de retângulo. Percebeu que aquilo era uma página de uma historia em quadrinho muito particular.

X-MEN 135.

Sabia exatamente que página era aquela, pois sempre leu gibis durante toda sua infância. E seu primeiro real grande amor, muito antes da filha da professora, ou a filha do dono do bar, se chamava Jean Grey.

capa da edição americana de  X-MEN 135