24 de abril de 2014

Nome de Deus

Baseado em diálogos com Matheus Moreira.
Revisão de Anna Lóxy.

 - Você fuma maconha?

Perguntou a mulher violentamente. 

O jovem se assustou, não esperava uma reação dessa vindo daquele rostinho. Loira com mechas que iam até seus olhos, amarrados em um coque, onde dava para ver sua nuca sensual. Óclinhos de empresária tipo meia lua, vestida com um tubinho grudado, e por baixo um corselet branco de tirar qualquer homem do sério.

Ela era direta. E tudo a partir daquele momento poderia machucar. E muito.

 - Injeta heroína ou cheira cocaína? Fuma crack? Bebe cerveja? Pinga, matini, vinho, gim? Cogumelo? Merla? Skank? LSD? Lude? Lemom? MDMA? Extasy? PMT? Anfetamina? Trobromina? Cristal? Ópio? GHT? Morfina? Cola de sapateiro? Aspira um lança do bom? Tiner? Tabaco ou hachiche? Mefedrona? Refrigerante? Crocodil? Internet ou televisão? - Respira sem ar - Me diz... O que você já usou? Ta bom, ta bom... Desculpa se eu fui invasiva, mas estou perguntando porque eu já usei tudo isso.

O rapaz não se assustou. Conhecia aquele tipo de mulher, no começo intimida com sua carinha de safada, mas depois se abre, e qualquer homem percebe que não passa de uma garotinha já muito usada pela vida. Garota era ela - ele era homem.

 - Acredita nisso? - Ela continua rindo - Eu sou uma total e incompreendia viciada em drogas. Se dá um barato, qualquer que seja, eu topo. E sabe por quê? Porque a realidade é dura demais para ser vivida sobriamente. Olha só a porra da cidade em que moramos!

Do Terraço Itália mal dá para ouvir os gritos de socorro do povo paulista lá de baixo. O ponto mais nobre da capital de São Paulo. Muito alto, além das nuvens de poluição. Mas basta sair na calçada do prédio, que qualquer um vê o quão violento é estar ali. São Paulo tira qualquer um do sério.

 - Precisamos fugir às vezes. Alguns fogem mais do que outros, mas a questão não é essa, e nunca vai ser. A questão está na procura. Todo mundo quer achar o método definitivo de fuga, e é exatamente por isso que estamos aqui hoje. - Ela pausa levemente, e com um olhar malicioso conclui - Nós achamos.

Ele ri. Não acreditava em nada do que estava falando. 

- Você ainda não me convenceu a te dar essa pequena fortuna. - Aperta o cabo da maleta para verificar se ainda está ali.

O homem era um empresário de sucesso. Tinha acabado de se formar e já trabalhava num alto cargo na industria do pai. Jovem e baladeiro. Mal podia esperar pelos feriados prolongados para ir pro interior nas melhores raves do país. Eram seus pequenos paraísos artificiais, o céu na terra. A melhor música com as melhores mulheres do mundo. A droga era apenas mais um fator.

O rapaz acreditava que não tem como curtir esses lugares sóbrios. Não é desculpa, mas balada nada mais  é do que uma grande vitrine humana, anestesiado, você se sente melhor, dá risada de tudo, fica mais aceptativo, principalmente com as pessoas.

E aquela garota estava oferecendo uma coisa nova. Diferente de tudo que um dia ele já provou. Iniciação militar, sempre é. Estava ali com o seu dinheiro e de mais quatro amigos. Dava quase pra comprar um carro de luxo, ou até um apartamento pequeno no centro.

E ela era uma vendedora. A melhor do seu ramo. Sem sombra de dúvidas.

- Nada do que você use, chegará perto disso. E pode ter certeza , eu sei exatamente do que estou falando - Sempre se mostrando muito maliciosa. - Não existe palavras nos dialetos humanos conhecidos que descreva o que esse miserável bastão faz com a sua cabeça.

Então ela tirou da bolsa um bastão azul enrolado em plástico.

 - É sintético ou natural? - Perguntou o homem curioso.
 - Você acha mesmo que Deus seria tão bom com a gente? - Disse gargalhando - A menos que isso seja um extrato do fruto proibido que Eva comeu. Aí sim eu digo, Éden nenhum valia a pena.
 - Não sei... - diz ainda indeciso - É muito dinheiro para...
 - Sem marcas! - Ela interrompe - Sem dor das agulhas ou olhos vermelhos. Esqueça ressaca ou aquela maldita coriza ou boca seca e salgada. Sem efeitos colaterais. E o melhor de tudo, como é algo completamente novo, não existe nenhuma legislação para isso. Estamos dentro da lei - Grita orgulhosa - E você preocupado com dinheiro? Então acho que estou falando com a pessoa errada.

Ela manda bem, fala bem. Consegue convencer um cliente a comprar gelo no Alaska. Te faz a pessoa mais importante do mundo, mas diz que para você ser ainda melhor precisa daquele produto.

O homem se atrapalha com as palavras, e continua sua entrevista.

 - Qual o nome dessa maldita droga afinal?
 - Ainda não demos. Envolve um pouco daquela coisa do segundo mandamento, sabe?
 - Não usarás o nome de teu Deus em vão.
 - Vejo que, assim como eu, é alguém religioso - Diz ela tirando sarro.
 - Temos que acreditar em alguma coisa não é mesmo? No que você acredita?
 - Eu acredito nessa porcaria de tubo azul.
 - Você que é uma incrível filha da puta de uma ótima vendedora, garotinha!
 - Além de drogada, sou uma mulher de negócios. - Sorri.

O homem pega o cabo da maleta, mas antes de levantar pra mesa se questiona uma ultima vez.

 - Depois de tudo isso... Porque deveria confiar em ti?

A garota para; Finalmente o cliente a deixou sem resposta, ela pega a taça de vinho e toma um longo gole da bebida escarlate. Respira, pensa e diz:

 - Bom... se até agora nada funcionou, confie em mim porque sou bonita pra caralho!

Ele sabia que ela iria machuca-lo. Ele puxa a maleta. Ela ri.

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