para Sara Alves.
- Próxima estação Sé, desembarque pelo lado esquerdo do trem - anunciou o maquinista.
O metrô estava chegando na plataforma da estação que a garota ia descer. Pela velocidade do trem, e a metragem média das plataformas das estações de São Paulo, o jovem rapaz calculou aproximadamente 13 segundos até o trem parar, abrir a porta, ela sair, a porta fechar e ele continuar a viagem sozinho.
Também dava tempo dele pegar no braço dela, e beija-la.
13...
Eles se conheceram no próprio bar onde estavam bebendo. Um amigo em comum os apresentou, e com afinidade começaram a conversar por horas a fio, até quando ela olhou assustada para o relógio de pulso dourado, e disse que tinha que ir embora se não ela ia dormir na rua.
...12...
Ele não se importa muito com o horário que o metrô fecha. Pelo menos não desde que ele começou a morar numa kitnet no centro velho de São Paulo. Perto da praça da Luz, na nata do Bom retiro.
Dali, ele podia ir andando para qualquer canto da cidade.
...11...
Naquela quarta-feira, com um clássico do futebol paulista passando na TV (que alias era seu time que estava jogando), um de seus melhores amigos estavam completando mais uma primavera.
As piadinhas e trocadilhos sobre seus recém 24 anos estavam rolando solto no minúsculo bar no Paraíso, há alguns poucos metros do shopping Paulista.
...10...
Alias, ele nem sabia se ali realmente era o bairro do paraíso. Aquela região era uma confusão de nomes e fronteiras de bairros, ruas com nomes de países etc... Enfim, isso não é importante agora.
...9...
A única coisa que importa é ela.
Apenas.
...8...
Mesmo com a quantidade torrencial de cerveja que ambos tomaram, ele prestou muita atenção em tudo que ela disse.
Ela veio de algum lugar do interior, por algum motivo importante, mora aqui em São Paulo a algum tempo considerável com algumas pessoas perto de alguma estação de alguma linha qualquer do metrô.
...7...
E ELA É SOLTEIRA.
...6...
A porta do metrô se abriu, e ela não se mexeu muito. Nem parecia que ali era a estação que ela tinha que descer. Ele ficou parado olhando pra ela.
Mesmo que aquele fosse o último metrô, daria pra ele descer ali e seguir andando para sua casa. O problema talvez fosse ela, já que tinha que se baldear a outra linha.
Mas se o beijo rolasse naquele momento, nada impediria dela passar a noite na sua casa.
E o cenário só melhorava.
...5...
Ela também estava afim.
Sentia o cheiro dos feromônios a milhão. Bastava ele a puxar pra comemorar o gol.
Alias, será que teve mais algum gol?
Afinal, em outras circunstancias ele continuaria na festa até todos irem embora, mas hoje, depois de toda aquela boa conversa com ela, quando ela anunciou que tinha que ir embora, ele prontamente se ofereceu e de bom grado ela aceitou, e agora ambos estavam ali se encarando.
...4...
O vagão não estava cheio. Eles estavam na extremidade sul e dali dava pra ver o casal lésbico se beijando arduamente na outra extremidade, um jovem inconsciente de bebida dormindo mais no centro do trem, e perto dos dois um senhor com um boné velho, desses distribuídos em eleição, com um celular na mão sintonizado no jogo.
...3...
Ele começou a lembrar de toda a conversa do bar, e das inúmeras vezes que ele podia ter a beijado, e ele não fez nada. A conversa era boa, e tão fluente que as vezes ele pensava em outras coisas, firulando sobre o que ela dizia, e o que ele poderia dizer, entrando em seu mundo próprio.
...2...
Ela era muito comunicativa. Enquanto ela era de humanas, ele era de exatas e seus pensamentos voavam rápidos, lógicos e certeiros.
Como sempre, muito bom na teoria.
Ele sabia coisas como a velocidade do metrô e a metragem das plataformas por causa de um trabalho de faculdade que ele teve que apresentar, falando sobre reformas e melhorias públicas.
Trabalho esse que ele ainda não sabe a nota.
O metrô apita, avisando que a porta vai se fechar.
Ela sai do vagão e aproxima o rosto do rosto dele, e ele faz o mesmo.
...1...
- GOL! - gritou o senhor que estava escutando o jogo. Não sabia que time tinha marcado.
Não importava. Não agora.
...0
Ela beija em sua bochecha.
Ele faz o mesmo.
Ambos ficam se olhando, enquanto a porta começa a fechar.
Ele ficou olhando para ela pelo vidro quando o trem começa a andar e pegar velocidade. Ela vai embora, descendo pela escada rolante.
A próxima estação já era a que ele descia, mas ele não estava pensando nisso. Ficou ali parado pensando porque não tinha a beijado.
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