12 de junho de 2013

Festa em Família

Baseado no conto Feliz Aniversário de Clarisse Lispector.

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Quando o despertador tocou naquela manhã de domingo Dorothy já estava acordada. Era um dia especial pra família toda. Sua vó fez 89 anos naquela semana, e resolveram fazer uma festa naquela tarde de domingo. Um almoço com um bolo e salgadinhos e quem sabe se divertir um pouco com a família. Mas sua família não era assim tão feliz.

Essas festas em família sempre fora o centro de grandes discussões e brigas. As principais personagens são as esposas de seus tios que se odiavam. Já houve até divórcios em outros aniversários por causa de ciúmes. Ela nunca entendeu o motivo dessas brigas, mas tanto faz, Dorothy gostava de vê-las brigando seja por ciúmes ou por inveja. Dorothy não gostava de nenhuma delas.

A tia Denise por exemplo, esposa do tio José (que por acaso é sócio de seu pai nas lojas de construções da cidade), sempre usa aquele colar de perolas falsa com um vestido preto ou branco sem graça, e não para de repetir que ela colocou o original num cofre de banco, e que usa aquela copia para enganar bandidos.

Dorothy, no alto de seus 13 anos sabia que aquilo era mentira, e que Denise só falava disso para se gabar dizendo que tio José é o único filho que seu deu bem na vida. O que também é uma mentira, já que escuta seus pais quase todo dia dizendo que ele está se endividando muito com aquele carro amarelo horroroso que ele comprou.

Enfim, Dorothy adorava essas festas por causa das brigas e também por causa da comida da tia Zilda. Ela cozinhava muito bem. Seu pai sempre dizia pra ela abrir seu restaurante, mas Tia Zilda não tinha tempo. As vezes Dorothy ficava com dó dela, a única mulher da família, e ainda tem que cuidar da vó, uma mulher que o tempo deixou-a amarga. E foi assim que a viu quando entraram pela porta da sala, depois de subir 3 andares de escada, já que o elevador estava quebrado, de novo.

A casa já estava bem cheia quando chegaram. Muitos primos e vizinhos. Cumprimentou a nora de Ipanema, uma mulher de poucas palavras sentada no canto da sala conversando com a babá dos meninos... Dois pestinhas.

Em seguida queria ir embora, mas seu pai a obrigou a cumprimentar a vó, não queria ir porque morria de medo de encara-la por muito tempo. Chegou perto e estendeu a mão:

- Benção vó!

A vó olhou de canto de olho e resmungou alguma coisa que não deu pra entender. Olhou pra trás um pouco desesperada, e o pai lhe deu um olhar de reprovação, então ela resolveu puxar um papo qualquer para descontrair:

- Poxa vó, esse prédio está um caco hein! Acho que ta na hora da senhora e tia Zilda saírem daqui... A prefeitura vai demolir isso um dia ou outro!

Dessa vez a vó apenas bufou em fúria. Percebeu que falar disso era pior do que as tentativas sem graça do tio José e de seu pai de fazerem piadas. Olhou pra trás de novo procurando a ajuda do pai, mas ele já estava falando com o tio José sobre as lojas, e quando eles começam nada os impedem. A não ser o olhar raivoso de sua mãe, mas ela deve estar ocupada na cozinha ajudando a tia Zilda.

Indo em direção à cozinha, viu que era verdade. Roubou um croquete da ajudante da tia, e desceu as escadas para ver se tinha alguém de mais interessante lá em baixo.

Chegando lá tinha apenas os dois meninos, aqueles que estavam com a mãe e a babá. Eles estavam no canto da parede com um copo não mão.

- Onde está seu pai? Ainda não chegou? – Perguntando puxando assunto, e também estava curiosa porque o pai deles era lindo.

Assustados jogaram o copo fora, e saíram correndo escada a cima.

Dorothy chegou perto, e cheirou o copo, e não acreditou que dois garotos de 5 anos estavam tomando vinho escondido. Sozinha ficou ali sentada um pouco pensando na vida, vendo mais alguns carros chegarem, mais pessoas subirem a escadas até que desceu também o seu primo Júlio.

Ele era mais velho uns 4 anos, e era lindo. Ele era muito inteligente, e Dorothy era louca para dar um beijinho nele, mas ele não dava muita bola pra ela, talvez por ser gordinha, mas ela não queria pensar sobre aquilo. Ele chegou perto e ficaram conversando sobre a problemática família deles.

- Mas hoje está muito calmo né? Uma hora dessas em outro aniversario nossas mães já tinham saído na mão a um bom tempo! – Disse ela.

- Ah, mas hoje é aniversario da nossa vó! – disse rindo - Tia Zilda disse que queria respeito no aniversario da velha. E aí todos prometeram nada de barracos!

Foi a coisa mais decepcionante que ela já ouviu naquele dia. E ainda restava muito para acaba-lo, nem o bolo fora cortado ainda.

E bastou pensar nisso que alguém apareceu na janela 3 andares a cima gritando que iam cortar o bolo. Meio desanimada ela foi subindo a escada com o Júlio do lado, e antes de chegar perto da porta já estava aquela confusão musical que sempre acontece.

Cantar parabéns em inglês em terras brasileiras nunca fez muito sentido pra ela. Mas parece ser uma tradição de família cantar em cima do “parabéns pra você” o “happy birthday”. Nunca teve graça.

Pensou nos meninos tomando vinho lá em baixo, e resolveu aproveitar que todos estavam na sala homenageando a Vovó rabugenta, para ir até a cozinha e roubar mais alguma coisa de comer, e quem sabe um copo de vinho também.

Olhou para trás e encheu um copo de plástico com um vinho vermelho sangue, e pegou mais algumas especiarias fritas pela tia... Quando de repente todo mundo se calou na sala. Ela não sabia o que era, mas um leve sorriso cresceu em seu rosto, pois sabia que quando a sala fica silenciosa demais, algo de ruim está para acontecer.

Foi correndo pra sala, e perguntou para o Júlio que estava chocado encostado no batente da porta:

- A vovó pirou!

Dorothy olhou para a sala e lá estava a tia Zilda sem olhar pra trás dizendo e repetindo:

- Mamãe! - gritou mortificada a dona da casa. - Que é isso, mamãe! Mamãe, que é isso! - Não parava de falar isso em reprovação - A senhora nunca fez isso! – E essa ultima frase parece que foi dita mais alto do que as outras para que todos ouvissem.

Dorothy olhou ao redor, e todos estavam chocados. Tia Zilda já sem forças admitiu:

- Ultimamente ela deu pra cuspir...

Aquela dó que ela já sentia pela sua tia cresceu mais naquele momento. Uma mulher que a idade já lhe tirou o vigor e a beleza e que sempre teve que ficar presa em uma casa para cuidar de uma mulher rude e velha, que nem lhe dá atenção, e agora fica cuspindo pela casa fazendo-a limpar.

Ela entendia a vergonha que a tia estava passando. Aquele ato da vó era quase como se tivesse jogado todo o trabalho da tia pelo ralo. E todos ali na sala estavam parados, estagnados pensando que seria melhor ela ficar num asilo.

Dorothy deu um passo a diante para abraçar a tia Zilda ali do meio, e dar um abraço nela, mas seu ato é interrompido pelo resmungo de sua vó.

- Me dá um copo de vinho.

O susto subiu pela espinha num suor frio. Ficou se perguntando como sabia que ela estava bebendo vinho?

- Vovozinha, não vai lhe fazer mal? - Tentando ser mais fofa e assustada o possível para que uma possível bronca sobre o fato dela ter 13 anos e estar bebendo vinho não seja lembrado a diante.

- Que vovozinha que nada! – gritou a vó, e isso já era algo interessante porque não fazia ideia de que a velha ainda tinha fôlego para gritar desse jeito. Dorothy também percebeu que todos se assustaram por isso também. - Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! Me dá um copo de vinho, Dorothy! - ordenou.

Dorothy sempre que não sabe o que fazer, olha para seu pai, e assim o fez. Todos estavam tão assustados quanto ela. Então viu que a única saída era dar seu copo para a vó.

Após fazer isso, saiu por onde entrou e lá estava seu primo Júlio com um leve sorriso no rosto:

- Parece que a tia Zilda se esqueceu de avisar a vó para se comportar também!

Dorothy quis dar risada, mas manteve a cara de passiva, pois mais a diante estava vindo seu pai com uma cara de nervoso. Júlio também viu e saiu de perto para não escutar a bronca também.

- Você estava bebendo vinho? Você é uma criança!

Dorothy ficou no carro de castigo até o final da festa. Mas ela não estava triste. A festa foi melhor do que ela esperava. Melhor do que ver mulheres de 40 anos se atacarem sem motivo nenhum. Ver uma velha amarga descontar toda a raiva de uma vida não vivida em seus descendestes. “Fazia muito sentido”, pensava Dorothy “minha vó deve olhar pra gente como sendo o fim do mundo, afinal de contas, somos nós que estamos levando o legado da família para o futuro, e somos uma droga de família”. Deu uma risada gostosa.

Ficou ali no carro vendo o movimento. Depois de umas horas os mesmos meninos que estavam bebendo vinho mais cedo, voltaram por mesmo lugar, mas dessa vez com um maço de cigarro inteiro nas mãos. Dorothy não precisou fazer nada, porque o lindo do pai deles chegou bem na hora que eles pegaram o isqueiro.

Agora era esperar ano que vem para ver quem seria a próxima vitima da vovozinha.

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